Interligação de Redes de Distribuição de Gás Canalizado entre Concessionárias de Estados Diferentes: Viabilidade Jurídica, Regulatória e Institucional

20 de junho de 2025

Cid Tomanik

A crescente expansão das redes de distribuição de gás canalizado no Brasil, aliada à busca por segurança no suprimento, modicidade tarifária e eficiência operacional, impõe a necessidade de soluções regulatórias que superem limites estritamente territoriais, sobretudo em regiões de fronteira entre unidades da Federação.

A titularidade do serviço público local de gás canalizado é assegurada aos Estados pela Constituição Federal, em seu artigo 25, §2º, o que confere às agências reguladoras estaduais a competência exclusiva para disciplinar, fiscalizar e autorizar os serviços prestados em suas respectivas jurisdições.

Todavia, essa repartição de competências não significa isolamento decisório, tampouco impede arranjos cooperativos entre entes federativos e suas agências, especialmente diante de desafios que exigem respostas articuladas.

A hipótese de interligação física e operacional entre redes de distribuição pertencentes a concessionárias de Estados distintos não encontra vedação constitucional ou legal. Ao contrário, a própria Constituição, em seu artigo 241, autoriza expressamente a celebração de convênios entre entes da Federação para a gestão associada de serviços públicos.

Essa autorização constitucional fornece a base jurídica para que agências reguladoras estaduais celebrem acordos de cooperação técnica, visando viabilizar interconexões operacionais entre distribuidoras limítrofes, sem que isso implique transferência de titularidade, delegação de competência ou ampliação indevida do escopo das concessões existentes.

O que se tem, portanto, é a possibilidade concreta de compartilhamento de infraestrutura para fins de contingência, suporte emergencial, otimização de redes e atendimento de novos mercados, desde que devidamente autorizado, fundamentado tecnicamente e formalizado nos instrumentos jurídicos pertinentes.

O modelo regulatório adotado pela ARSESP, por meio da Deliberação nº 1.105, de 28 de dezembro de 2020, fornece exemplo valioso para construção desse tipo de solução. A referida deliberação autorizou a interligação das redes de distribuição da Comgás e da Gás Brasiliano (atual Necta), ambas concessionárias paulistas, operando em regiões contíguas, sob jurisdição comum da agência reguladora do Estado de São Paulo. Ainda que se trate de uma interligação intrafederativa, sua arquitetura regulatória pode ser replicada em contextos interestaduais, com os devidos ajustes.

A deliberação em questão condicionou a autorização à celebração de contrato entre as partes, estabeleceu que os custos decorrentes da interligação não seriam imediatamente repassados aos usuários, e destacou que a medida visava garantir maior segurança no fornecimento de gás canalizado à população e aos setores produtivos.

Transportando-se esse modelo para o plano interestadual, torna-se possível afirmar que a viabilidade jurídica da interligação entre redes de concessionárias de diferentes Estados depende, essencialmente, da existência de sinergia entre as agências reguladoras envolvidas e da formalização de instrumentos que respeitem as competências constitucionais e os limites legais.

Cada distribuidora permaneceria atuando dentro de sua área de concessão, sem extrapolação territorial, mas com possibilidade de receber ou fornecer volumes de gás à rede contígua, em situações previamente definidas, mediante autorização regulatória.

Para tanto, seria necessário celebrar convênio de cooperação entre as agências reguladoras estaduais, detalhando os objetivos, os limites e os procedimentos para implementação da interligação, inclusive os mecanismos de fiscalização cruzada e as metodologias de apuração de custos e riscos.

Além do convênio entre agências, seria imprescindível a celebração de contrato operacional entre as distribuidoras, com cláusulas específicas sobre responsabilidade pelo transporte do gás até o ponto de entrega, qualidade do produto, medição, compensações financeiras, contingências operacionais e solução de eventuais litígios.

A deliberação autorizativa, por sua vez, deveria ser individualmente expedida por cada agência estadual, com base em processo regulatório próprio, precedido de instrução técnica, manifestação jurídica e, eventualmente, consulta ou audiência pública, conforme o caso.

Em nenhuma hipótese a interligação poderá ser confundida com a atividade de transporte de gás natural, que permanece sob competência federal e regulação da ANP. A interligação que aqui se analisa restringe-se à malha de distribuição, respeita os limites das concessões estaduais e não altera o caráter local do serviço público.

Do ponto de vista regulatório, a medida tem respaldo nos princípios da eficiência, da continuidade do serviço público, da racionalização do uso de infraestrutura e da proteção do interesse coletivo.

A construção de um arcabouço jurídico que viabilize a interligação entre redes de diferentes Estados pode se tornar uma ferramenta estratégica para expansão segura do mercado de gás canalizado, mitigação de riscos de abastecimento e fomento ao desenvolvimento regional, especialmente em regiões industriais situadas próximas às divisas estaduais.

A doutrina administrativa e regulatória contemporânea reconhece e estimula o uso de mecanismos de cooperação federativa em setores regulados, como forma de otimizar a prestação de serviços públicos de natureza complexa e de alto grau de interdependência técnica. Alguns Juristas têm defendido a ampliação do diálogo entre entes reguladores e a utilização de estruturas jurídicas flexíveis que permitam soluções coordenadas, sem violar os marcos constitucionais.

Em conclusão, a interligação de redes de distribuição de gás canalizado entre Estados diferentes é uma alternativa juridicamente possível, tecnicamente viável e institucionalmente desejável, desde que lastreada em convênios de cooperação entre agências reguladoras estaduais, contratos operacionais claros entre concessionárias e deliberações fundamentadas que resguardem a titularidade estadual do serviço e os direitos dos usuários.

O precedente paulista, ainda que circunscrito ao território do Estado, constitui paradigma apto a inspirar novos arranjos cooperativos em escala interestadual, à luz do federalismo colaborativo e da busca por soluções regulatórias inovadoras e sustentáveis para o setor de gás canalizado no Brasil.

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