Brokers no Mercado de Gás Natural: O Que o Brasil Pode Aprender com a Regulação Internacional

A abertura do mercado de gás natural no Brasil, impulsionada pela promulgação da Lei nº 14.134/2021, inaugurou uma nova etapa na estrutura jurídica e econômica do setor. Com a retirada de barreiras legais e o incentivo à livre concorrência, surgiram novas figuras contratuais e operacionais que, embora previstas genericamente pela legislação, ainda carecem de um tratamento regulatório mais claro.

Uma dessas figuras é a do intermediário comercial, comumente chamado, no contexto internacional, de broker.

No mercado estrangeiro, a presença dos brokers é consolidada e amplamente regulada, especialmente em países que possuem mercados abertos e maduros. A experiência europeia, por exemplo, é particularmente relevante.

Na União Europeia, os brokers atuam como facilitadores de negócios entre produtores, comercializadores e consumidores livres, sem deter a titularidade do gás nem assumir riscos diretos sobre o produto. Apesar disso, operam sob normas rígidas de transparência, especialmente no que se refere ao registro das operações e à conduta no mercado atacadista.

O Regulamento REMIT, adotado pela Agência Europeia de Cooperação dos Reguladores de Energia (ACER), impõe aos intermediários a obrigação de se registrar, declarar suas transações e adotar práticas que evitem manipulações de preço ou conflitos de interesse. É um modelo que associa liberdade de atuação à responsabilidade regulatória, contribuindo para a formação de preços justos e para a integridade do mercado.

No Reino Unido, os brokers têm papel ainda mais relevante na relação entre comercializadores e consumidores, sobretudo os de grande porte. A autoridade reguladora local, Ofgem, criou mecanismos de supervisão que exigem clareza sobre as comissões cobradas, lisura na apresentação de ofertas e mecanismos para proteger os consumidores de práticas abusivas.

A atuação dos intermediários é incentivada como ferramenta para aumentar a competição, mas condicionada ao cumprimento de regras de transparência comercial.

Nos Estados Unidos, a intermediação no mercado de gás natural é prática consolidada desde a consolidação dos hubs de negociação, como o Henry Hub. Lá, brokers operam em plataformas organizadas ou em negociações de balcão, muitas vezes viabilizando operações complexas entre comercializadores, produtores e grandes consumidores.

A regulação é exercida por órgãos como a FERC e a CFTC, que impõem normas sobre integridade de mercado, prevenção à manipulação de preços e cumprimento de obrigações contratuais. Mesmo atuando sem ativos físicos, os intermediários respondem por boa parte da dinâmica do mercado spot e futuro, contribuindo para sua liquidez.

A experiência argentina, embora mais próxima da realidade latino-americana, também oferece lições valiosas. A Lei nº 24.076 reconhece a figura do comercializador, incluindo aquele que atua por conta e ordem de terceiros, ou seja, sem deter a titularidade do gás — função que, na prática, se assemelha à de um broker.

O ENARGAS, regulador local, adotou normas que impõem registro obrigatório, reporte de contratos, controle de independência entre agentes e prestação de informações periódicas. Trata-se de um modelo que equilibra liberdade contratual com controle institucional, reduzindo riscos de colapso contratual ou falhas de mercado.

No Brasil, a Lei nº 14.134/2021 reconhece o comercializador como agente autorizado a comprar e vender gás natural por conta própria e sob seu próprio risco. No entanto, ela não trata expressamente da figura do intermediário que apenas facilita a celebração de contratos entre as partes, como fazem os brokers estrangeiros.

O vazio normativo se revela especialmente sensível diante do aumento de operações no mercado livre e da crescente sofisticação das estratégias de contratação adotadas por grandes consumidores e comercializadores.

A ausência de regulação específica para brokers pode comprometer a segurança jurídica das relações comerciais, aumentar a assimetria de informações e dificultar a responsabilização em caso de inadimplemento ou falência de um intermediário.

A experiência internacional mostra que é possível permitir a atuação desses agentes sem comprometer a estabilidade do setor, desde que haja exigências mínimas de registro, transparência e conduta. Estabelecer regras para atuação de brokers, delimitar suas responsabilidades e sujeitá-los ao controle da ANP não significaria restringir a liberdade de mercado, mas sim assegurar sua integridade.

O amadurecimento do mercado de gás natural no Brasil depende, entre outros fatores, do fortalecimento de sua arquitetura institucional.

O reconhecimento jurídico e regulatório dos brokers pode representar uma peça-chave para esse processo, sobretudo se inspirado nas boas práticas adotadas por países que já enfrentaram desafios semelhantes.

Transparência, rastreabilidade, proteção contratual e integridade concorrencial não são barreiras ao mercado, são pré-requisitos para sua existência duradoura.

Referências Normativas e Links Oficiais

Mais artigos

📌 ALERTA REGULATÓRIO – NOTA INFORMATIVA Nº 12/2025/DGN/SNPGB

O Ministério de Minas e Energia (MME), por meio do Departamento de Gás Natural, publicou a Nota Informativa nº 12/2025/DGN/SNPGB, com esclarecimentos importantes sobre a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) aplicável à comercialização atacadista de gás natural, biometano e biogás. 🔍 Contexto Com a abertura do mercado de gás natural trazida pela Lei nº

Leia mais
Desenvolvido por Danilo Pontechelle