A Batalha pela Distribuição de Gás: Defesa das Agências Estaduais Contra a Expansão Arbitrária da ANP

Por Cid Tomanik

Nos últimos meses, o setor de gás natural tem testemunhado um movimento preocupante de avanço da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sobre competências que, de forma clara e inequívoca, pertencem aos Estados da Federação.

A proposta de regulamentação dos chamados “gasodutos de distribuição dedicados” pela ANP não apenas tensiona o pacto federativo, mas cria um risco iminente de judicialização, insegurança jurídica e sobreposição regulatória em um setor que exige previsibilidade, coordenação e respeito aos limites constitucionais.

A Constituição Federal, em seu art. 25, § 2º, é categórica ao afirmar que: “Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei.” Trata-se de uma competência estadual exclusiva, reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.

Quando a ANP pretende regular, ainda que sob o pretexto de “gasodutos dedicados”, estruturas cuja função é distribuir gás natural diretamente a usuários finais dentro do território estadual, avança sobre esse domínio constitucionalmente reservado.

A esse respeito, vale destacar o disposto no art. 177 da Constituição Federal, segundo o qual:

“Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos produzidos no País.”

No entanto, o § 1º do mesmo artigo, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 9/1995, relativiza esse monopólio ao prever que “a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.

Essa lei, atualmente, é a Lei nº 14.134/2021, que revogou expressamente a antiga Lei nº 11.909/2009. A nova legislação reafirma, em seu art. 2º, § 1º, que: “As atividades de distribuição de gás canalizado permanecem sujeitas à regulação dos Estados, nos termos do § 2º do art. 25 da Constituição.”

O próprio marco legal nacional do gás reconhece, portanto, que a competência para a regulação da distribuição de gás canalizado é, e deve continuar sendo, uma atribuição dos Estados.

Qualquer tentativa da ANP de legislar ou normatizar sobre esta matéria afronta não apenas a Constituição, mas a própria lei federal que ela, como agência reguladora nacional, tem o dever de aplicar com rigor técnico e respeito institucional.

O argumento da ANP de que tais gasodutos seriam “instalações de transporte” é, na prática, uma tentativa de redefinir conceitos consolidados e obscurecer a fronteira entre transporte e distribuição.

A função e o propósito da tubulação devem guiar sua classificação: se o duto se destina à entrega de gás ao consumidor final no território estadual, trata-se de distribuição, independentemente de sua extensão ou da exclusividade do atendimento.

É nesse contexto que se impõe uma atuação firme e coordenada das Agências Reguladoras Estaduais. Elas não podem se omitir nem aceitar passivamente tal invasão de competência.

Devem se manifestar institucionalmente, inclusive por meio de notas técnicas conjuntas, audiências públicas, e, se necessário, interpelações formais à ANP e ao Ministério de Minas e Energia.

Além disso, as Procuradorias Gerais dos Estados devem ser mobilizadas para proteger a competência estadual, por meio de pareceres jurídicos, ajuizamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade por omissão ou invasão de competência, e demais medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

A defesa do pacto federativo, especialmente no setor de gás natural, não é apenas uma questão institucional; é também uma questão estratégica. A distribuição de gás canalizado está intimamente ligada ao desenvolvimento regional, ao atendimento industrial e residencial, à política tarifária local e à expansão das infraestruturas urbanas.

A tentativa de centralizar essa regulação na esfera federal ignora as particularidades dos mercados estaduais e compromete a eficiência regulatória.

Minha recomendação, portanto, é que as Agências Reguladoras Estaduais, em articulação com as respectivas Procuradorias de Estado, adotem imediatamente medidas institucionais para rechaçar a tentativa da ANP de regular aspectos inerentes à distribuição de gás canalizado.

O respeito ao desenho constitucional das competências não é obstáculo à integração do mercado, mas condição essencial para sua segurança, previsibilidade e crescimento sustentável.

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