18 de junho de 2025
Por Cid Tomanik
Durante muito tempo, o consumo de energia nas indústrias foi tratado como um custo inevitável, quase imutável, cuja única forma de contenção passava pela simples redução do uso. Essa visão tradicional ainda persiste em alguns segmentos empresariais, especialmente entre aqueles que depositam esperanças em políticas públicas voltadas à redução tarifária.
No entanto, o cenário energético brasileiro mudou, e mudou profundamente. Com a abertura do mercado de gás natural, a pluralidade de fornecedores e o crescimento de alternativas energéticas, a gestão de energia se tornou um diferencial competitivo e estratégico.
Para além da escolha da matriz energética, que precisa equilibrar aspectos técnicos, econômicos, ambientais e regulatórios, as empresas usuárias de gás natural e canalizado enfrentam hoje um ambiente contratual e regulatório altamente complexo.
O fornecimento desse insumo não se limita à entrega física do gás: envolve uma série de compromissos contratuais e obrigações regulatórias que impactam diretamente nos custos operacionais, na previsibilidade do negócio e na sua segurança jurídica.
Nesse contexto, a auditoria legal energética surge como um instrumento essencial para identificar, avaliar e mitigar riscos associados ao consumo de energia sob diferentes formas, gás natural, energia elétrica, GLP, óleo combustível, biomassa, entre outros.
Através de uma abordagem crítica, que abrange aspectos legais, contratuais, regulatórios, tarifários, comerciais e fiscais, é possível mapear não apenas o perfil de consumo da empresa, mas também os riscos e oportunidades que derivam de seus contratos de fornecimento e da regulação aplicável ao setor.
No caso específico do gás canalizado, a complexidade se eleva. São inúmeras as variáveis contratuais que podem impactar negativamente o usuário se não forem adequadamente compreendidas ou gerenciadas. Destacam-se, entre outras:
- Volumes contratados, garantidos, programados, diários e efetivamente retirados — com consequências operacionais e financeiras em caso de desvios;
- Penalidades operacionais e sobre volumes, inclusive associadas à subutilização (take or pay) ou ao não cumprimento do perfil de consumo;
- Regime tarifário aplicável, critérios de reajuste, descontos negociados e preços referenciais;
- Cláusulas de “ship or pay”, que impõem o pagamento pela disponibilidade da infraestrutura de transporte independentemente da retirada efetiva do gás;
- Condições de suspensão, interrupção e religação do fornecimento, inclusive por inadimplemento, manutenções programadas ou restrições operacionais;
- Medição, faturamento, cobrança, garantias e formas de pagamento, pontos críticos de eventual controvérsia;
- Regras sobre investimentos, financiamentos e prazos de vigência contratual, bem como cláusulas de renovação ou rescisão;
- Ajustes financeiros por inflação, variação cambial e preços relativos — elementos que podem gerar impactos expressivos em contratos de longo prazo;
- Previsão de testes operacionais, manutenção de equipamentos e procedimentos específicos de segurança;
- Exigência ou possibilidade de adoção de procedimentos internos, com vistas a mitigar riscos ou viabilizar ações corretivas em caso de litígios ou inadimplementos.
Ademais, é imprescindível a verificação da legalidade e razoabilidade das cláusulas contratuais, a fim de anular aquelas que possam ser consideradas abusivas ou excessivamente onerosas ao consumidor industrial.
O Código de Defesa do Usuário do Serviço Público e o de Defesa do Consumidor, bem como normas setoriais específicas e decisões regulatórias, oferecem fundamentos jurídicos que podem ser utilizados para proteger os interesses do usuário.
Também é fundamental considerar as questões regulatórias de interesse direto do consumidor, especialmente no que diz respeito aos direitos e deveres perante a distribuidora local, à forma de cálculo das tarifas, às revisões tarifárias periódicas e ao papel das agências reguladoras estaduais.
A correta interpretação e aplicação do marco regulatório são fundamentais para a prevenção de litígios, a redução de passivos contingentes e a maximização da eficiência contratual.
Os cuidados tornam-se ainda mais relevantes em processos de M&A (fusões e aquisições), nos quais a auditoria legal energética é peça-chave da due diligence. Ela possibilita a identificação de riscos ocultos e contingências associadas ao fornecimento de gás e energia, que podem afetar a viabilidade da operação ou exigir ajustes significativos na avaliação econômica do ativo.
Por fim, o alinhamento à Norma ISO 50001, que estabelece práticas internacionais de gestão de energia, contribui para que o consumo energético seja tratado com o devido rigor técnico e jurídico.
A implementação dessa norma pode, inclusive, fortalecer os controles internos e demonstrar o compromisso da empresa com práticas sustentáveis e eficientes, fortalecendo sua imagem institucional e reduzindo riscos operacionais.
A realidade atual impõe às empresas usuárias de gás natural e canalizado uma postura ativa e estratégica frente aos contratos de fornecimento e à regulação do setor. O domínio sobre os aspectos técnicos e jurídicos envolvidos não é apenas recomendável, é essencial para a sustentabilidade econômica, jurídica e operacional da atividade industrial. A auditoria legal energética é, portanto, uma aliada indispensável nesse processo.